quinta-feira, 17 de novembro de 2011

ODE DIVINAL

Hoje tenho a honra de hospedar neste modesto blog uma obra que reputo como de primeira linha, e tomo a liberdade de dizer que não tem par em nosso meio. 
Peço que os meus amigos que venham a ler, o façam com tempo, pois verão em cada palavra um significado. O bom escriba não usa palavras à toa.
Façam como eu que li e reli várias vezes, em grande parte a cada leitura via uma nova e intrigante descoberta.
André realmente é muito bom.
Tome cuidado, no entanto, pois certamente não empatará com as idéias de todos. Lembre-se de um velho caudilho gaúcho que diza: idéias não metais que se fundem. Acrescento eu: mas o belo é universal.
Boa leitura.

Ode divinal -  de ANDRÉ DE CASTRO

Demonicamente divino, desço à Adega do Mundo
Como quem desce ao Hades, ao Jigoku, al Infierno,
À parte de mim que desconheço,
Eu, que sou onipresente para mim mesmo...

Desço a meu coração universal
Possuído por minha volúpia de bêbado que bebe 
Para reencontrar as lágrimas mais paradoxais,
Lágrimas ácido sulfúrico para a alma,
Lágrimas que me alegram, que me salvam,
Que resgatam minha passada
Condição humana.

Descendo, degrau a degrau, a escura e fria Adega,
Antevendo a substância das garrafas
E a substância dos vinhos nas garrafas,
Pressentindo o alcoólico e venenoso gosto da Verdade que há neles,
Suspiro, gigante, um vendaval no mundo.

Passo a passo, já no chão da Adega,
Risco a escuridão com o fósforo de minha Vontade
E faço a luz, como há muito tempo não me aprazia.

Revendo cada uma das garrafas, relembrando seus rótulos,
Experimento, de novo, a sensação dolorosa de ser tudo, de ser tudo e todos,
Mas, ainda assim, tão solitário como um mito sem humanidade.
E embora seja tudo e todos nesta minha fazenda
(convém dizer que moro sozinho numa fazenda),
Invento qualquer voz esquizofrênica, só para povoar meu espírito:
Qualquer serpente que sussurre neste meu lusófono aramaico,
Qualquer boneco de barro que chore e que berre,
Qualquer parte de mim que se multiplica em tantas partes de mim
Como um espelho quebrado.

Quis tudo. Imaginei tudo. Inventei tudo. Criei tudo.

Inventei o Alzheimer e todos os que sofrem de Alzheimer,
Inventei a AIDS e todos os portadores de AIDS,
Inventei a esquizofrenia, todos os tipos de cânceres, de pestes,
De doenças cardíacas,
Inventei todos os vírus biológicos e ideais,
Inventei tudo que é perigoso e causa dor e inventei
Suas curas no futuro, onde todas as doenças matam menos
Que a recordação e o remorso.

Inventei também a Palavra, a doença e a cura da Filosofia.

Inventei tudo isto (isto, isto, ISSSSSSSSSSTOOOOOOO!!!)
Porque sou tudo isto, antes mesmo de inventá-lo.
Inventei tudo isto porque sou a Biologia, a Química e a Física do mundo,
Porque sou Deus e eu posso,
Porque sou o Animal Humanusque Mundialis.

Coletivo de eus que se escondem atrás da Palavra e entre consoantes,
Acreditai, acreditai, ó pulgas de meu pelo onipresente!
Eu sou vosso Deus, vosso cão sarnento, vosso mendigo de vosso bairro, que vos consagra
Humanos!

Senhoras e senhores, sou o que vai do macro ao micro e Ainda,
Sou o que percorre o Círculo do Universo na velocidade da minha Vontade,
Sou tudo, absolutamente tudo, todos vós!
Sou a Trindade do Eu-tu-e-os-outros,
Sou todas as possibilidades, que vão da espada à gravidez,
Sou todos os pedófilos nos jardins de infância,
Sou todas as navalhas nos parques,
Sou todas as prostitutas nas esquinas,
Sou todos os proxenetas, sou todos os traficantes de crack e todos os usuários de crack, de cocaína, de maconha, de êxtase!

Sou todos os que matam velhas a picaretadas,
Sou todas as balas de fuzil das revoluções,
Sou a própria revolução e o próprio mundo que me revolve,
Que nos move e nos comove.
Sou a dúvida no meio da verdade e da mentira,
Sou o monstro que vos lambe as mordidas que eu mesmo mordi,
Eu, que sou fiel, ah, tão fiel a tudo,
Tanto ao dente como à carne,
À presa e à Presa.

Mas também sou tudo, ah, AH, AH, AH! TAMBÉM SOU TUDO
Que há nos dedos e no coração de Beethoven, de Mozart, Evan Parker, John Coltrane e Noel Rosa
─ Rindo-me de todos os que acham ridícula a miscelânea! ─

Heia! Hula, Helaho! Helaôôô! ÔÔÔÔÔ-Ô-Ô!!!!?!!!!

Sou a nova imitação do Mestre em Mim Mesmo,
Sou os beijos de luz de todos os quadros,
A amante, o amante de todos os pintores e pintoras,
A Amor de todos os artistas,
A desculpa esfarrapada de toda humanidade para fazer a caridade,
A humana caridade...

Sou os sóis, as estrelas que olham o mundo,
Sou o alvo das orações intergalácticas,
Sou os átomos que entendo sem entender,  só para não estragar a surpresa.

Sou a trindade que existe na alegria dos casais,
Sou as asas de todas as belezas que voam,
Sou a epifânica esperança do sexo, mesclando corpos num só,
Sou a flor pisada e ainda bela,
Sou o solo que tudo consola, que tudo acolhe e perdoa.

Sou o pai no filho e a mãe na filha de todos os seres,
Sou o pai, irmão, filho, avô, avó, sobrinho, tio e enteado de todas as coisas,
Sou a Mater Dolorosa das idéias,
A Creatrix de todas as gargalhadas,
De todas as salas acesas nos apartamentos
Da Felicidade,
Sou a Evolução que criou cada coração,
Que me criou quando a criei após o Verbo.

Sou o que trespassa o mesmo coração de Álvaro de Campos e de André de Castro.

Sou vosso Deus, meu espelho, meu Omnipotens Lector.
Sou o Um que é todos vós, numa só voz,
O Deus que pode o que bem entender, mesmo o ato mais demoníaco e contra si,
Mesmo a coisa mais bela e tão verdadeiramente sem propósito,
Que começa tudo de qualquer coisa, mesmo de uma descida à adega,
À procura de um vinho.

Apenas uma ode que, singelamente, vos ordena
Um pedaço que já tenho de vosso coração.

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