terça-feira, 6 de dezembro de 2011

MAIS ANDRÉ DE CASTRO

Para a apreciação dos amigos, mais versos de André de Castro:


Sem milonga para o guaxo

Sem saber o que eu quero e o que eu acho,
Sem gaita de oito baixos que me acompanhe,
Bate-me, à porta do pensamento, a palavra “guaxo”.

Estou agora no ônibus,
Em cima da memória de Bento Gonçalves ou o que restou de sua avenida-destino
E essa palavra interrompe o galope do sonho
Feito um caraguatá real que irrompe do solo por nada. Por nada.

Guaxo!

Que raios sei eu de guaxo senão o que me crava na carne
E o que dela advém desde o tempo da partida?

Guaxo é palavra de quem se criou no campo
Ou celulose cerebral de quem veste a saudade com bombacha e lenço,
Num corpo urbano antes de humano, na cidade.

De nenhum destes campos provenho.

E embora isso, eis que, sorrateira, ela bate-me à porta e dá coices
E me esborracho chão a baixo
Enquanto o que resta de mim resta sentado, no ônibus...

Dos campos de asfalto onde nada brota senão a indignação
De quem fica a ver os carros que passam,
Brota um desafio e um desabafo em forma de flor,
Uma flor simples, manacá que poucos conhecem,
Flor verdadeiramente do meu pago para todos os sentidos ao mesmo tempo e misturados,
Uma carícia com perfume de mãe,
As pétalas da cor de uma milonga,
Da cor de um pai e seu abraço,
Suaves como cordas de aço.

Tudo isso misturado como um entrevero insuportavelmente delicioso
No amargo doce da lembrança,
Deixando sua marca terrível no peito como ferro em brasa.

Ah, na milonga, o violão é sempre recordação de algo que nunca fizemos...

Resignação?

Resignação não tenho, que não se amansa nunca um coração de guaxo.
Mas meu peito inspira e expira um suspiro profundo
E a gaita de oito baixos, que descubro, enfim, em meu peito,
Toca qualquer milonga de adeus e me acompanha.

Eu, que sou guaxo agora
E entendo que tudo é deserto, que tudo é imenso,
Que tudo é vasto e que tudo é Pampa
Quando partem os pais.

Deixem a milonga tocar, por favor,
Que eu quero chorar sem lágrimas.

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