A forma mais tradicional de estabelecer prioridades, antes das malditas senhas eletrônicas, foi a fila. Tecnicamente dita fila indiana, nada mais é do que uma pessoa atrás da outra, de tal sorte que o primeiro seja atendido, seguindo-se o segundo e por aí em diante.
Os portugueses chamam a nossa fila de bicha. Aqui no estado, onde a maioria da população é descendente da luza terra, até há pouco tempo ainda usávamos esta expressão bicha para designar a fila.
Antes da utilização de “gay” para designar os efeminados, pederastas, viados (sic- assim mesmo - veado seria o bicho), a expressão bicha também servia para designar as pessoas desta tendência sexual. Daí, gerava alguma confusão, tal como a que assisti no cartório da ladeira. Uma longa fila aguardava atendimento no balcão de reconhecimento de firma. Chegou um cliente que não conhecia o ofício e perguntou ao atendente: - Aonde eu vou para reconhecer a firma neste documento ? Respondeu o funcionário: - Ali atrás da bicha. Putz, tinha um “gay” na fila, todo produzido, começou a xingar o pobre do funcionário em altos brados. Não adiantaram as explicações do empregado do cartório, dos seus colegas e nem do chefe do setor.
Na verdade, a população brasileira vive reclamando das filas, mas gosta delas, pois é o lugar onde troca informações, conta sua vida a qualquer um que esteja na sua frente ou atrás. Um exemplo típico é a fila dos aposentados nos bancos. O Banco do Brasil em Viamão descobriu há algum tempo que aposentados formavam fila desde as oito horas da manhã para entrarem no estabelecimento às dez horas quando ele abria. Inteligentemente, o gerente passou a disponibilizar um caixa a partir das oito horas para atendimento exclusivo aos aposentados. Quando chegasse às dez horas, todos já teriam sido atendidos, e, portanto, não haveria colisão com os demais clientes. O que aconteceu? Eles começaram a chegar às seis horas da manhã e formar fila. Quando o banco abria o caixa exclusivo, eram imediatamente atendidos, e quando banco iniciava o expediente já não tinha mais ninguém para atender dos jubilados, e assim permanecia o dia inteiro. Em suma, eles gostavam era da fila mesmo.
Num destes últimos verões, eu fui até a padaria Cestari, em Capão Novo para comprar pão. Lá chegando verifiquei que havia uma fila que chegava até a calçada. Fiquei ali pacientemente esperando. A bicha andava devagar, pois somente dois atendentes se revezavam embalando, pão, frios e outras mercadorias. Na minha frente, duas senhoras conversavam animadamente. Até que chegou o momento do atendimento delas. Disse a atendente: - pois não, o que a senhora vai querer. – Eu, nada ela é que quer... – Ué eu também não quero nada estava te acompanhando... - Mas, eu pensei que tu estavas na fila e fiquei contigo... Disse o cidadão que estava atrás de mim: - Não é possível, não acredito... Disse eu: - acredite sim, é a verdade. As duas entraram na fila, imaginando que a outra estava na fila. Esta história se espalhou pela praia, e até hoje é lembrada.
A penúltima moda é a da fila sentado. O cidadão chega e retira uma senha numerada, a qual lhe dá direito a aguardar a sua chamada, que as vezes leva duas horas como na Caixa Econômica Federal. Mas, ele tem uma vantagem pode assistir uma linda televisão colorida, sem som.
A última moda é entrar na fila pelo telefone. Você liga para a repartição e se acomoda na fila virtual. O problema é que você não consegue a ligação. Bom, mas é o problema é a sua incompetência na ligação certamente...
Realmente a bicha é um patrimônio nacional a ser preservado.
Existem duas pessoas inviáveis dentro de mim: a primeira, a que os meus inimigos imaginam; a segunda, a que os meus amigos propagandeiam.
domingo, 23 de março de 2008
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