Ele estava sentado à beira do rio, onde fitava lânguido e difuso os arcos sucessivos que surgiram depois da pedra. Pensava consigo: chegam determinadas horas em que as mudanças se impõem. Quando a pasmaceira se instala carecendo algum agito. Não se tratava de mero lastimo, pois não era de seu feitio a queixa fácil.
Pendia na sua mão obra de Fernando Pessoa: “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”
Deveras, vivera toda a sua já longa vida ali em Richmond, subúrbios de Londres, à margem do Tâmisa. Um lugar maravilhoso, mas como alguém já disse que Adão e Eva foram expulsos do paraíso por tentarem sair da rotina, e onde a cobra amargou a culpa.
Lotado de enfado, arrasta a vida à espera da morte. Esperava mais desta encarnação.
Como salvar esta jornada, e não ficar à margem de si, como disse Pessoa?
Olha novamente para o rio. Lembra, então, dos escritos de Hesse: cada dia o rio é um rio diferente. Quem sabe ele possa ser a cada dia um eu diferente? Se não pode mudar o mundo, por que não muda ele?
Existem duas pessoas inviáveis dentro de mim: a primeira, a que os meus inimigos imaginam; a segunda, a que os meus amigos propagandeiam.
quarta-feira, 28 de abril de 2010
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