quinta-feira, 26 de junho de 2008

O VALMOR DA MISCELÂNEA


Há muitos anos existia na Praça da Alfândega uma livraria chamada Miscelânea de propriedade de dois irmãos Ferro. Fui aluno de um terceiro irmão chamado Miguel Sirângelo Ferro que lecionava Geografia no Ginásio Inácio Montanha, ali na Azenha.
A livraria posteriormente se mudou para o edifício Manhattan, na esquina das Ruas Andrade Neves e Gen.Câmara - a conhecida Ladeira - , sendo conduzida, inicialmente, ainda pelos Ferro, e depois por um empregado que assumiu a empresa chamado Valmor Dalcin.
A Miscelânea, o nome já dizia, vendia, além de livros, miudezas diversas, mas tinha em sua direção o dito Valmor que era muito conhecedor da arte do livro.
Era um livreiro à moda antiga, pois lia, conhecia, recomendava e criticava os livros e autores. Tinha uma memória prodigiosa, pois era capaz de lembrar os nomes dos livros e dos autores e ainda sua editora. Sabia se estavam fora do catálogo; se a edição já tinha se esgotado; e, algumas vezes até quem ainda poderia ter em estoque o livro que você procurava. Em suma, um profissional competente.
É evidente que este tipo de profissional de livraria não existe mais, exceto em alguns poucos sebos, que ainda conservam a arte de conhecer os livros, seus autores e edições. Ter conhecimento da importância de uma edição especial, reconhecer um livro raro é coisa que não se encontram mais nos profissionais da área.
O meu querido amigo Valmor tinha ainda outra virtude que julgo maravilhosa num bom livreiro: conhecia o gosto do seu cliente.
Diálogo de 1980:
- Osnir, chegou um livro para ti.
- Que livro, Valmor?
- Alvim Toffler, o autor de O choque do Futuro lançou um novo Livro chamado a Terceira Onda, é da Record.
- Vou aí pegar.
Neste curto diálogo ele demonstrava, em primeiro lugar, que conhecida o Autor, pois citava um livro anterior, de grande sucesso; e segundo, conhecia o conteúdo do novo livro, e, finalmente,l e principalmente, que sabia o assunto interessar ao seu cliente, no caso a minha pessoa.
Durante muito tempo almocei com o Valmor todos os dias no Restaurante do Clube do Comércio, onde conversávamos sobre o cotidiano, sobre livros e sobre as coisas pessoais. As dele, pois eu sempre fui muito fechado, como são os escorpianos. Acho que o Valmor era de Libra.
Ele se queixava muito do negócio dos livros que não lhe trazia muito retorno, sobrevivia com a venda de jornais principalmente fornecimento de periódicos de fora do Estado, que distribuía até entre os órgãos governamentais, que eram seus clientes de caderneta.
Ele costumava vender fiado os livros e revistas aos seus clientes, sendo que a grande maioria honrava seus compromissos, mas, não raro, ele levava um calote, às vezes grande. Ele tinha um grande coração, nunca cobrou ninguém judicialmente. Alguns até que mereciam.
Ele somente ganhava dinheiro com livros na Feira do Livro. A sua banca era a segunda a esquerda de que entrava vindo da Ladeira para a 7 de Setembro. Ali sempre em companhia de um auxiliar, que durante muito tempo, foi o Paulinho, hoje proprietário de uma banca de jornais e revistas na esquina da Rua Jerônimo Coelho com a Avenida Borges de Medeiros, vendia muitos livros, o suficiente para melhorar o seu faturamento anual.
Valmor formou suas duas filhas, Larissa e Juliana, respectivamente, em Psicologia e Medicina, com muito sacrifício, mas com grande entusiasmo.
Vítima destes mistérios que a natureza não nos explica, Valmor foi vítima de um galopante câncer no pâncreas, que o matou em poucos meses. Coisas ruins que acontecem às pessoas boas. Nunca vi um cretino morrer de câncer. Por certo este tipo de doença tem uma carga muito grande psicossomática. O indivíduo bom se preocupa muito, e vai enfraquecendo o sistema imunológico, enquanto o sujeito mau não se preocupa com nada: crava a faca nas costas do adversário e vai ao cinema. Você já viu algum destes políticos ladrões que andam por aí morrer de câncer?
Após a morte de Valmor, a Miscelânea encerrou suas atividades definidamente, ficando somente na memória de seus clientes, entre eles muitas personalidades de nossa cidade.
Valmor Dalcin: uma grande lembrança de bom profissional, de pessoa honestas e sobretudo um grande amigo.

Um comentário:

JOVV disse...

Alfredo Vieira Vaz fez o seguinte comentário por e-mail:
Lembro do Valmor.

1) Eu, Tu, Dalmolim, Valmor e o Paulinho( funcionário do Valmor), estavamos todos indo ao café. Acho que mais ou menos em frente ao Clube do Comércio passa uma bela senhora com uma saia minuscula.
Não tinha como não olhar aquela cena, mas Paulinho tascou o seguinte comentário:
- ELA TEM CELULITE!!
Valmor devolve:
- Não... o Paulinho achou um defeito nela, TEM CELULITE!!

2) comprei apenas um livro no Valmor, não sei se era porque lia pouco na época ou porque não tinha grana mesmo.
Mas o único livro que comprei me marcou, o livro era VERDADE TROPICAL do Caetano Veloso, desta vez não lembro o ano, mas o mês era fevereiro, pois eu estava de férias.
Tenho até hoje o livro, na última página onde fica o preço escrito a lápis o Valmor riscou o preço e colocou outro, com desconto.
Pouco tempo depois ele morreu, como diria o Luiz Menezes ficou a última lembrança de nosso amigo.

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