quarta-feira, 12 de novembro de 2008

HISTÓRIAS DA CASERNA

Eu tinha 18 anos e fui fazer o que se chamava inspeção de saúde para prestar serviço militar obrigatório. Na verdade, não era só um exame medico, havia muito mais coisa. A Junta de Alistamento Militar, que, naquele tempo, ficava onde hoje é a Praça Raul Pilla, próxima à Praça do Portão, exatamente nos fundos da Polícia do Exército-PE. Ela tinha uma inscrição em latim: “Si vis pacem para bellum”. A expressão significa se queres paz, prepara-te para a guerra. Acontece que naqueles tempos de regime militar, volta-e-meia, o local estava interditado com cancelas e outros petrechos militares. Daí o povo, irreverente, como sói acontecer, dizia que a tradução da frase era CIVIS PASSEM PELA CALÇADA.
Na época, eu já trabalhava, pois havia ingressado no mercado de trabalho com apenas 16 anos, e já tinha um salário razoável para a minha idade e função. Pelo que, ao ser indagado se pretendia prestar o serviço militar eu disse que não, pois já estava empregado, tendo a idéia de manter o emprego. Hoje, sei que as pessoas que pensam assim são exatamente as que interessam ao exército, o qual não está interessado em vadios. Mas eu não sabia disso, e declarei ao médico que me interrogou.
O exame era feito aos lotes, daí ficamos uns cinqüenta no ginásio de esportes do Primeiro Batalhão do Décimo Oitavo Regimento de Infantaria, todos peladões para o exame médico. A situação era de evidente constrangimento.
Fui separado num pequeno grupo, uns doze mais ou menos. O restante do grupo uns quarenta ficavam separados. Eu, inocentemente, deduzi que o meu grupo ficaria fora, e que os demais prestariam o serviço militar. Com o passar do tempo, me dei conta que a diferença física entre aquele grupo que eu estava incluído era enorme com relação ao restante. Todos nós tínhamos porte, todos com altura razoável por volta de um metro e oitenta, todos magros e de boa aparência. Aí eu deduzi brilhantemente que havia sido escolhido para prestar sentar praça como diria o meu pai.
Seguiu um exame psicológico, com testes para cálculo do Q.I. e um longo interrogatório por escrito.
Fomos então designados para a incorporação ali mesmo no chamado Batalhão da Cidade, ou Arranca-Toco no dia 16 de janeiro de 1971.
Neste exato dia, me apresentei no Batalhão sendo designado para uma Companhia – que é uma das subdivisões da unidade, denominada COMPANHIA DE COMANDO E SERVIÇO. Os soldados de outras unidades nos chamavam de almofadinhas, pessoas de serviços como enfermaria, transporte e administração, ou seja, nada de pelotões de combate, exceto o único Pelotão de briga que era chamado de PELOTÃO DE RECONHECIMENTO. Para este pelotão eram designados os elementos de melhor porte físico. Não carece muito esforço intelectual para entender que fui designado para este pelotão.
Para quem não entende nada de exército, Pelotão de Reconhecimento é aquele bando de maluco que vai como boi de piranha na frente da tropa, espiando o que o inimigo esta fazendo.
Pois fiquei ali no pelotão fazendo as instruções iniciais somente nos meses de janeiro, fevereiro e março, pois ao final deste fui escolhido para fazer um Curso de Cabo, que a graduação imediatamente superior ao soldado, e logo abaixo do sargento.
Coincidiu que no começo do curso chegaram da AMAM – Academia Militar das Agulhas Negras (Rezende – Rio de Janeiro) doze Aspirantes a Oficiais, que em seguida foram promovidos a Segundo Tenente. Em resumo, doze novos oficiais saídos da melhor academia militar depois de West Point nos EUA. É claro que este fato trouxe uma qualificação muito grande ao curso de formação de cabos do batalhão, o chamado CFC.
Em julho daquele ano, eu já ostentava orgulhoso minhas divisas de cabo, ou seja, dois vês invertidos na manga do uniforme. Esta promoção me trouxe algumas vantagens. A mais imediata delas é que passava em algumas ocasiões a comandar frações de tropas, e às vezes até uma companhia inteira (200 soldados mais ou menos). Para um guri de 18 ou 19 anos era muita coisa. A outra vantagem, muita apreciada por mim, era triplicar o soldo (salário de soldado) de 80 cruzeiros para 240 cruzeiros. Eu virei um rico no meio dos meus camaradas. É claro um cabo profissional ganhava três vezes mais, mas eu não ligava para isto, pois não queria seguir carreira militar.
O país vivia o período dos governos militares. Existiam presos políticos, inclusive no meu quartel. Nunca vi qualquer violência com eles, pelo contrário eram muito bem tratados, pois tinham sela individual, separada dos demais presos militares, lhes era servida comida de boa qualidade. Um deles que, segundo eu soube, era um sargento tinha até uma tevê na cela, o que na época era um luxo, pois pouca gente contava com este tipo de aparelho em suas residências.
A nossa baixa (saída) estava marcada para o dia 15 de novembro. Acontece que foram marcadas eleições no Uruguai, onde a chamada FRENTE AMPLA tinha possibilidade de ganhar. Daí a nossa baixa foi adiada, chegando somente no último dia do ano.
Tenho muitas boas lembranças deste tempo, pois grandes amigos que até hoje me prestigiam foram feitos durante o tempo de serviço militar.
Ainda me lembro de todos os nomes de guerra de meus colegas. Para quem não sabe, nome de guerra é o nome pelo qual o soldado é conhecido, e que consta em seu uniforme juntamente com a sua graduação. Fui o SD VAZ, e ao ser promovido passei a ser CB OSNIR. Na verdade, os meus colegas de farda nunca me chamaram e Osnir e até hoje me chamam de Vaz. Quando você presenciar alguém me chamado de Vaz pode acreditar que ali está um companheiro de armas.
Tivemos alguns comandantes no batalhão Tem. Cel. Roberto Santos, que a soldadama apelidou Cobrinha e Wenceslau Braga dos Santos, Majores Derly Xavier e Boucinha, como comandante da Cia. Iniciamos com o meu amigo de Bagé Caggiano Neto, passando por Sarandi Machado até o último Laurentino Reis. Como sargentos passaram por nós o Vicentão, uma figura igualzinha aqueles sargentos que aparecem nos filmes americanos, mas uma grande pessoa, depois voltou para a sua unidade preferida que era a PE, Tamir e outros. Como comandantes de pelotão tivemos desde o Ten. R1 (de carreira) More, um dos doze da AMAM, até o R2 (CPOR) Gilberto Moresco. O Ten. More chegou até Coronel, já tendo falecido. Gilberto Moresco foi meu contemporâneo na faculdade de Direito da UFRGS.
Tínhamos um soldado profissional chamado Silvio, dois cabos antigos o Martins – que era um tipo do interior – e o Selmo que era desenhista, dos novos além de mim mais Faustino que hoje é da Brigada Militar, e Mello que foi meu colega de ginásio e que hoje é da Polícia Federal em Florianópolis.
Se a memória não me trair tivemos ainda os colegas Pacheco e Chagas já falecidos, e Derly, Ranzan, Renato, Aléssio, Júlio, Rocha, Santana, Corrêa, Ribeiro, Alípio, Vaniel, Cláudio, Paulo e Adalberto. Não posso encerrar estas lembranças militares, sem contar um episódio engraçado acontecido com o meu pelotão. Pois o nosso pelotão estava todo de guarda, ou seja, de plantão de sentinela, em toda a chamada guarda dois no 18º RI. A tal guarda dois abrangia todos os postos de sentinela que ficavam na parte dos fundos do quartel (posso contar agora, pois o quartel não existe mais), incluída posto de sentinela do perímetro, junto à PUC, Avenida Ipiranga, Cristiano Fischer, Xadrez, Paiol de Munição e Pocilga (é sito mesmo casa dos porcos). Era noite, e o tenente de dia, que era a maior autoridade de serviço no quartel, vinha fazer a chamada revista, que acontecia às 9 horas, quando ele dá com o pé numa garrafa no chão. Acha estranha uma garrafa perdida no pátio do quartel. Resolve cheirar o vasilhame: é isto mesmo, cachaça pura.
Vai até a nossa guarda e põe todo o mundo em forma, não demora a descobrir os cachaceiros, os quais levam alguns dias de xilindró.
Fui salvo por estar na hora exatamente de sentinela na esquina da Cristiano Fischer com Ipiranga, senão provavelmente tivesse dado um bico na tal caninha, pois o frio era grande. Doravante, o nosso pelotão foi apelidado de Cachaça, logo nós que entendíamos ser a elite do Batalhão.
Aprendi muita coisa no exército. Devo muito do que sou àqueles dias que passei pelo 18º - que era temido na época como um quartel de grande dureza, mas, sem dúvida, uma grande escola, a qual está faltanto para muita gente hoje.

2 comentários:

Anônimo disse...

Estou tentando mandar

Anônimo disse...

Bem, agora que sei que foi enviado como anônimo, faço meu comentário.
Lembro de vc, servi no mesmo ano na mesma compania, só que no pelotão de comando e serviço. Foi um ano inesquecível, eu era ordenança do Cel. Wenceslau Braga dos Santos! Pegava carona todos dias com o Cobrinha e seu motorista sd. Guazelli. Lembro perfeitamente do Sgt. preso político e de seu visitante das 3ªs feiras o ex-presidente da FGF Rubens Hofmaister, já falecido.Lembra do Sgt Paris? Fiquei encontrando com ele anos a finco, agora faz tempo que nunca mais o vi. Um dia destes me apareceu pela frente o sd. Ilha! um cara muito legal... Encontrei este texto numa busca pelo nome do Cel. Wenceslau, diga-se excelente, inspirado e criativo. Lembro de todos os nomes que citas e mais alguns... O sd. Terra que encontrei no presídio central, preso, quando fazia uma matéria pela TV GUaíba em 1983! Sou cinegrafista. O Gregório, aquele sd. índio que afiava os dentes (era de uma atribo canibal) Um forte abraço
Sd. Carneiro

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