SOBRE AS CINZAS

A quarta-feira de cinzas antecede o período denominado pelos cristãos de quaresma. Esta, por sua vez, precede a data máxima da cristandade que é a Páscoa. Isto mesmo, a data principal não é o Natal, como se imagina, pois o fato principal é a ressurreição e não o nascimento de Cristo.
É um período de oração, jejum e penitência. Pelo menos era assim no tempo de minha infância. Naquela época, já a quarta-feira era de jejum quase absoluto, onde não se comia carne, exceto a de peixe, tal como na Semana Santa. As festas, incluindo bailes estavam suspensas por 40 dias. Baile de enterros dos ossos, nem pensar. Não se comemorava no período nem aniversário.
Para terem uma idéia, na Sexta-Feira da Paixão ou Santa as rádios só tocavam o que a gente chamava de música sacra, na verdade música clássica.
No interior, além de não comer carne de gado, não se comia nada que fosse de origem animal, incluindo carne, salames e até leite. Quanto ao leite, a lenda é que não se podia nem tirar o leite, pois quem o fizesse veria sair sangue da teta da vaca.
Conta o seu Zezé (meu pai) que, em sua época no interior de São Gabriel, não se fazia nada neste dia, incluindo varrer a casa ou prender os animais. As crianças podiam fazer o que bem entendessem, pois os castigos ficavam suspensos, pelo menos até o dia seguinte, quando os pais “tiravam a Aleluia”, ou seja, sapecavam uma surra geral na turma para compensar os adiamentos.
“O tempora o mores” (Marco Túlio Cícero)*, que pena, pois, estas lindas tradições constituem mero folclore, onde o período da quaresma foi invadido por um festival de bundas e peitos estampadas em telas coloridas de televisão a substituir as antigas orações e meditações.
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Nota de rodapé: * Marco Túlio Cícero indignado com outro senador Catilina, o qual foi pego com a boca na botija, ou em linguagem menos popular afanando o erário, se negando a renunciar ao cargo de senador romano, acrescentando “até quando abusarás de nossa paciência?”. Que frase mais atual. Vide episódio do PMDB.