sexta-feira, 5 de setembro de 2008

ORELHANO

Ele encarnava a figura do gaúcho ou melhor do gaucho, pois era uruguaio. O vi pela primeira vez ao violão cantando a linda música Orelhano, que era um sucesso entre nós na maravilhosa voz de Dante Ramon Ledesma.
Para quem não sabe o que é orelhano, posso dizer que Orelhano, do espanhol platino, é o animal que não tem marca ou sinal na orelha. Esta marca informa a todos que o bicho tem dono.
“Orelhano, ao paisano de tua estampa
Não se pede passaporte, nestes caminhos do pampa” este era o estribilho da linda música.
Durante muitos anos, ele alegrou nossos churrascos e festas, cantando músicas em espanhol e em português.
Disfarçado num sorriso tímido, no fundo, me parecia uma pessoa triste.
Uma das lembranças dele foi sentado solitário nas escadarias do edifício tocando violão e cantando lindas melodias, que ecoavam nas paredes do prédio.
Um determinado dia foi diagnosticado que tinha câncer linfático. Lutou durante sete anos. Pouco acompanhei sua doença, pois se mudou do prédio.
Um dia soube que estava interno no Hospital Moinhos de Vento, e que as notícias não eram boas.
Eu estava sentado em minha sala de trabalho, numa destas tardes, quando me deu um sinal: preciso ir ver o meu amigo no Hospital.
Rapidamente peguei um táxi, e fui até lá. Não sabia nem o número do quarto. Passei na portaria e descobri. Já no andar fui até o quarto e entrei.
Tinha um sujeito gordo e careca deitado na cama, dormindo. Fechei a porta e fui até o posto de enfermagem:
- O sr .... não está mais no quarto?
- Está sim, o senhor não o deve ter reconhecido.
Voltei para o quarto e me sentei num sofá que existia ali e o fiquei observando, enquanto dormia.
Em poucos instantes ele sem abrir os olhos me disse:
- Tu foi mais rápido que o meu médico...
Levei um choque: como sabia que era eu; eu não tinha dito para ninguém que ia até lá.
Seguimos num conversa normal, onde contou de seus problemas com o linfoma, e que tinha sido atacado por outra doença oportunista, que o tinha deixado sem caminhar.
Estamos ainda trocando algumas idéias, quando chegou um enfermeiro com uma cadeira de rodas, e eu o ajudei a sentar-se.
Ele foi então conduzido por um longo corredor que vai para a parte ambulatorial do hospital. Quando já se afastara alguns dezenas de metros, sem voltar-se levantou um dos braços me saudando.
Esta imagem nunca esquecerei. Fui um aceno de adeus, pois morreria poucos dias depois.
Um mês, após o seu falecimento, recebi a visita do seu único filho uruguaio residente em Montevidéu. Quando ele me olhou e sorriu, vi no jovem o mesmo sorriso, incluindo os dois dentes separados na frente que eram a sua marca registrada.
Não é que o danado tinha conseguido sobreviver na pessoa do filho?

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