sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

À MESTRA COM ETERNO CARINHO

"O homem cresce e atinge a meta superior a que se destina, pelo trabalho consciente, honesto, permanente e autêntico.
Longa é a trajetória, e nós vamos crescendo à medida que vamos integrando em nosso ser, a essência dos exemplos e das lições que colhemos.
Aos milhares, como se fossem grãos de areia impelidos pelo vento, nossos irmãos vão passando por nós. Somem no tempo e no espaço, mas deixam marcas em nossas
existências."
Professora Geraldina da Silva in O Primeiro Passo.

É dela a dedicatória:
"José Osnir
Obrigada pelo carinho dispensado à velha mestra.
Deus abençoe tua família
Natal de 1989."
O ano era 1964. O local interior do município de Viamão, num grupo escolar estadual com somente cinco salas de aula.
Alunos do quinto ano primário, dividiam velhas classes de madeira.
A diretora adentra à classe e diz aos alunos que a professora estava doente, ali estando para apresentar a nova mestra.
No seu lado, perfilada, uma negra alta para os padrões da época, e gorda, o que era muito raro naqueles tempos.
A surpresa para nós os alunos, não acostumados com negros, haja vista que a única colega preta era a Nelci, que na verdade era somente mulata - por sinal muito
bonita, - e que alguns anos depois casou com um empresário amigo meu chamado Cláudio.
Aquela turma de neo-rascista ficou perplexa, e apreensiva, pois a novel professora tinha cara amarrada, ou seja tinha todo o jeito de ser uma malvada.
Grande engano: foi a melhor professora que conheci na minha vida!
Geraldina, ou Geralda, como as colegas a tratavam, estava adiantada pelo menos 30 anos no seu tempo.
Dava uma aula moderna, dinâmica, avançada. Trazia textos atuais, discutia, fazia trabalhos em grupo. Organizava seminários e feiras de ciência. Fazia teatros e outras apresentações públicas. Montava laboratórios.
Costuma ir até a empresa de ônibus, onde convencia o empresário a emprestar de graça ônibus para que aqueles alunos pobres - que não tinham as mínimas condições de pagar uma excursão- fossem à Petrobrás ( Refinaria Alberto Pasqualini recentemente inaugurada), à Escola Técnica de Agronomia e outros
destinos.
Foi com muito pesar que ao final do ano eu e meus colegas nos despedimos daquela nossa amiga, a nossa professora Geraldina. Ela tinha mudado a nossa cabeça, deixando longe das mentes daqueles pequenos alunos qualquer tipo de preconceito. Estavam ali pouco mais de vinte soldados da igualdade racial, que como eu até hoje, neste já tão longo andar, como diria Quintana lutam contra os preconceitos. Nasceram ali todas as minhas convicções neste campo das liberdades públicas.
Naquele tempo nós chamávamos a professora de professora, nada de "tia" ouu "trabalhadora em educação". Elas tinha orgulho da sua profissão.
No ano seguinte, eu consegui um lugar num Ginásio Estadual em Porto Alegre, após ter passado pelo temido exame de admissão, o qual barrava mais de 90% dos alunos,
principalmente os provindos dos colégios da periferia ou municípios vizinhos. Não sei como consegui me classificar.
O problema é que tinha de pagar o ônibus, o meus pais seguraram a barra, mas não conseguia dinheiro para comprar os livros.
Um dia minha mãe encontrou com a Professora Geraldina, e comentou sem qualquer pretensão, que não tinha conseguido ainda comprar o meu livro de ciências.
No dia seguinte, ela bateu lá em casa e me entregou o livro novinho em folha para que eu usasse.
Se eu fiquei agradecido na época, hoje me emociono somente de escrever sobre o assunto.
Falei algumas vezes com a professora Geraldina, a qual se formou em Direito na faculdade Ritter dos Reis, profissão que utilizou - segundo soube - somente para ajudar os pobres. Foi uma precursora da Defensoria - só que privada.
Um dia ela foi até o cartório e me levou o livro de sua autoria que guardo com carinho em minha biblioteca. Releio algumas passagens, como a que transcrevi acima.
Faz alguns anos que faleceu.
Certamente teve e tem um lugar ao céu, mas garanto que além do lugar celeste tem um cativo no meu
coração...

José Osnir

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