quinta-feira, 25 de junho de 2009

O NOSSO PINDUCA


Nos quarenta anos de tabelionato, vi passar muitas figuras interessantes. Uma delas foi um cidadão que era cunhado do tabelião titular. Era um homem de 70 anos, alto, não muito gordo, elegante, principalmente representada pela cabeça raspada, o que era muito raro naqueles tempos. Era uma careca polida, brilhante mesmo. Hoje não chamaria tanto a atenção, pois os jovens estão usando muito esta moda de raspar a cabeça integralmente.
Ele estava sempre de terno, elegantes e bem cortados. Usava inclusive uma túnica à moda Mao Tse Tung, aquelas com gola redonda e fechada no pescoço. Só não era azul, era cinza. Somente este fato já seria uma atitude corajosa, pois vivíamos tempos bem anticomunistas, e ter qualquer identidade com o mundo vermelho, que não fosse colorado, era bronca certa. Mas, o nosso personagem não ligava à mínima.
Os sapatos eram de cromo alemão, comprados na Loja Randak, gosto que por algum tempo imitei, até que a loja desapareceu. O cinto sempre combinando com o sapato. Este quase sempre marrom, quando não bicolores. É você leu bem: bicolores, ou seja, duas cores, sendo uma delas sempre branca. Camisas sempre brancas, e gravatas italianas, bons perfumes, fechavam o figurino.
Sei pouco sobre sua vida particular, consta que fora Chefe de Polícia, estando nessa época já aposentado.
Era aficionado do turfe. Quanto lhe perguntava se ganhava muito respondia secamente: não jogo para ganhar dinheiro, e sim para me divertir. Acho que era verdade. Naquela época existia um cidadão que já estava quatorze anos na presidente do Jockey Clube, foi aí então que este meu colega foi convidado para ser candidato de oposição. Ele foi eleito. Renunciou, para a surpresa de todos. Muitos anos mais tarde outro presidente do Jockey me contou que ele chegou lá e viu todas aquelas contas para pagar e levou a sério. Pegou o chapéu e saiu despacito. Continuou freqüentando o Jockey, mas somente na condição de sócio.
Ele tinha algumas excentricidades muito interessantes. No verão, muitas vezes, saia de sua sala somente de meias, a circular pelo corredor do cartório. Às vezes, fazia citações com personagens bíblicas que inventava, tais como: - Caim, Caim, por que mataste teu irmão Abel?
Um dia ele apareceu com um copinho fininho e pequeno do tipo que se toma vodca. Perquiri: o senhor anda bebendo vodca? Não sabia deste seu gosto, pensei que o senhor bebesse somente uísque. Ele respondeu de pronto: mas, é mesmo para tomar uísque. Retruquei, mas e o gelo? Ele acabou com o meu questionário de ignorante: - não uso gelo, isso é uma heresia, não tomo on the rocks, somente puro, com o copinho estreito não sinto o cheiro, logo não salivo, e aí não ponho água a estragar a pureza do Scoth Whiskey.
Era um homem culto, mas tinha alguns gostos interessantes em matéria de cultura. Certa vez me viu lendo Histórias Extraordinárias de Edgar Allan Poe, e ficou todo interessado, já querendo saber onde eu tinha conseguido aquele exemplar tão novinho.
Um homem muito organizado e metódico tinha uma letra muito bonita, a qual demonstrava toda a sua personalidade. Costumava debochar da minha letra – que é horrorosa quando escrevo relaxadamente. Dizia ele: - não é que o Osnir tem letra ruim, é que ele não aprendeu a escrever.
Embora, nós - a gurizada - o tivéssemos apelidado de Pinduca, que era um personagem careca dos quadrinhos, esta nossa irreverência e aparente desrespeito tinha muito de carinhoso com ele, pois na verdade todos nós éramos seus fãs.
Um determinado dia, ele estava jogando cartas com os amigos nas dependências do Jockey Clube, quando teve um ataque fulminante do coração, foi socorrido na hora por um médico, companheiro de jogo, mas não adiantou.
Nunca me esqueci da sua linda figura, que agora dividi um pouquinho com vocês, dando somente uma idéia do que era este rico personagem que passou pelo Terceiro Tabelionato de Notas de Porto Alegre.

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